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Do sertão vem o Centrão

Publicada em 05/07/2024 às 17:15h - 1084 visualizações

por Mayco Lima


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Do sertão vem o Centrão

Compadre meu Quelemém sempre diz que eu posso aquietar meu temer de consciência, que sendo bem-assistido, terríveis bons-espíritos me protegem. Ipe! Com gosto... Como é de são efeito, ajudo com meu querer acreditar. Mas nem sempre posso. O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo... Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. (Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa)

 

O Brasil é do Centrão. Quem o percebeu foi Guimarães Rosa. Na metade dos anos 50 do século XX o meio intelectual e cultural fervilhava com a arquitetura moderna, Oscar Niemeyer, a Bossa Nova, a indústria automobilística e com um presidente que a tudo isto apoiava e enunciava um Brasil novo, rumo ao padrão nova-iorquino de viver. Era o presidente Bossa Nova Juscelino Kubitscheck. Mas outro Brasil contrastava com aquele urbano, moderno, ‘civilizado’ e cheiroso que se apresentava na televisão recentemente introduzida nos lares. O Brasil arcaico insistiu em seu desejo de permanência. Este Brasil que não era litorâneo, nem cosmopolita já o havia descrito Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Victor Nunes Leal, Sérgio Buarque de Hollanda e Antonio Candido.

A consciência conservadora dos grotões teimou em sua remanescência e para tanto foi fundamental a religiosidade. Seus valores e crenças permanecem nesta parcela da sociedade brasileira, ainda que deslocada das novas relações que se estabelecem no mundo globalizado. O desenvolvimento tecnológico apenas lhe deu novos meios para se alastrar, agora em forma de fake News, porque com maior capacidade de difusão antes limitadas a boatos paroquianos. Na defesa da pauta de costumes, que é assunto da sociedade e não do Estado, o picareta se elege e enche os bolsos com emendas secretas. E seu eleitor, analfabeto político mas eloquente, participa do processo com o “galo na testa” e inimizade com vizinhos e familiares, para mostrar a fidelidade eleitoral. “Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”, nas palavras de Belthold Brecht..

O conservadorismo se apropria de meios contemporâneos de tecnologia indispensáveis para sua permanência e constitui a modernidade conservadora que é parte deste Brasil arcaico que reage e se impõe de vez em quando. A Consciência Conservadora no Brasil é título de livro clássico do mineiro carangolense Paulo Mercadante, de cuja falta muito ressinto. Além de outras obras no campo das Ciências Humanas Paulo Mercadante escreveu Os Sertões do Leste. Estudo de uma Região: A Mata Mineira, Da Aventura Pioneira ao Destemor da Travessia: Santa Luzia do Carangola e Crônica de uma Comunidade Cafeeira. Carangola: O vale e o rio, além da introdução do livro Solares da Região Cafeeira do Brasil Imperial, cujos exemplares estão preservados no casario em frente à Praça Dr. Genserico Nunes de Oliveira em Divino (MG) e em fazendas, dentre as quais uma com pinturas de Funchal Garcia que visitei.

Entender o Brasil profundo, não apenas da periferia, mas também dos sertões, é fundamental para a dominação e a governabilidade. A Zona Sul do Rio de Janeiro e os Jardins em São Paulo têm relevância social e concentram significativa parcela da riqueza nacional, mas os votos não se limitam a estes espaços privilegiados. A “Faria Lima” tem poder de pressão sobre as opções governamentais e políticas a serem implantadas. Mas o voto vem do grotão semiletrado onde um sitiante de três alqueires se considera sócio do clube do agrobusiness, sem saber o que é o mundo do agronegócio é commodities negociada na Bolsa de Nova York ou Londres. O Brasil profundo dos grotões não se intimida com a modernidade e a racionalidade e elege os seus expoentes, incultos e iletrados, mas representativos dos valores que lhe são próprios. O voto é apenas uma expressão das relações sociais sedimentadas e que não se dobram ao novo, até que seja domesticado.

Parcela da intelligentsia, autoproclamada vanguarda intelectual ou artística, que se considera progressista por defender pautas politicamente corretas financiadas por instituições internacionais de fomento, se reúne da Praça São Salvador a Santa Teresa, mas é incapaz de compreender a força deste reacionarismo enraizado que vem do interior. Os teóricos de mesa de botequim, que citam a dimensão republicana de Habermas e o imperativo categórico da consciência de Kant não compreendem o quanto estão deslocados do Brasil real que elege o Centrão e sem o qual a governabilidade é impossível. O local para o encontro teorizante é justificado, pois teria a classe trabalhadora se formado e organizado nas tabernas, dizem, e apontam o dedo para o parlamentar fisiológico da periferia ou interior e dizem: não me representa. O inculto e iletrado parlamentar, que mal usa talher para se alimentar, não responde mas pensa: - Não represento mesmo, meu eleitorado é outro e não convenço com discurso. Mas com benesses: vaga na escola pública para o filho, bolsa de estudo na escola particular, consulta médica, dentadura, emprego para o parente, construção de ponte, conserto da estrada, galão de gasolina, socorro hospitalar onde falta ambulância, advogado para defesa pelos ilícitos penais, composição do rol de testemunhas “idôneas” capazes de impressionar em um julgamento e outras coisas miudezas indispensáveis à sobrevivência custeadas pelas emendas parlamentares.

Desde o Tratado de Taubaté, em 1906, os coronéis receberam duro golpe no seu poder econômico. A partir de então o comércio exterior e o preço da principal commoditie de então dependia da vontade do Poder Central. O poder local foi reduzido a mero gestor das contendas domésticas e satisfação dos interesses mais primários. Mas o coronel na República Velha, dependente economicamente do poder central, assentava seu poder político na posse da terra e barganhava o voto do eleitorado submetido aos seus domínios. Na posse da terra o coronel assentava seu domínio sobre os que ele permitia vivessem naquelas geografias.

É a constituição da propriedade fundiária privada o que ainda sustenta o poder no grotão e por isso a Amazônia vem sendo queimada e as comunidades indígenas e quilombolas ameaçadas. Enquanto houver terra devoluta e riqueza natural a ser expropriada pelo garimpo ilegal a expansão das fronteiras não cessará. Sem um programa de reforma agrária, que possibilite o aumento do número de proprietários e que limite o tamanho das propriedades, todo o centro do Brasil será do Centrão. O latifúndio não é pop.

Para governar, o Príncipe dos Sociólogos se rendeu ao Centrão. O presidente Lula idem. A presidenta Dilma acreditou-se acima dos interesses concretos e, demasiadamente, confiou na força das instituições e na sua integridade moral que nada serve no embate dos interesses inconfessáveis. O Centrão ameaça com o semipresidencialismo a fim de assumir o poder institucionalmente. Trata-se de mais um golpe, pois desconsidera o valor do plebiscito e da democracia direta. A sociedade brasileira já foi ouvida sobre a questão e escolheu o presidencialismo. Mas, o estatuto do desarmamento, de 2003, igualmente foi editado em desacordo com o resultado do plebiscito sobre o tema. A vontade popular é esnobada ou desconsiderada por forças políticas de diferentes matizes ideológicas. Mas nem sempre o povo assiste bestializado o que se faz com seus valores. Às vezes reage, tomando decisões até mesmo contrárias aos seus interesses. Um caipira, sertanejo, matuto ou mulato que elege a direita cava a própria sepultura pensando que está em busca de ouro.

 

João Batista Damasceno, Doutor em Ciência Política (Teoria Política) pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (PPGCP-UFF, 2012). Mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCP-UFRJ, 2005). Mestre em Ciência do Desporto pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPGCD-UERJ, 2000).Graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ, 1990).Graduado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (1987).Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), lotado no Departamento de Teorias e Fundamentos do Direito da Faculdade de Direito (matrícula 34433-3) e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Presidente do Forum Permanente de Sociologia Jurídica da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).Ex-coordenador e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e da Associação Brasileira de Juristas para a Democracia (ABJD). Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Jornalista com registro profissional no MTPS n. 0037453/RJ. Ex-conselheiro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Colaborador da coluna Opinião do jornal O DIA.

Fonte: https://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do;jsessionid=93216AA7A2D5C6D6DAC505B684292B42.buscatextual_0




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1 comentário


Willians Ferreira Pires

08/07/2024 - 13:22:59

Li o artigo, pois o próprio tema me chamou a atenção! As citações enriquece a pretensão e fica claro o que se pretende: a origem do Centrão. O artigo possibilita ainda compreender os avanços, retrocessos políticos e dificuldades nos dando uma direção que facilita compreender muita coisa da atualidade existente no meio.O autor fala da reação do povo ser contrária aos seus interesses e termina por dizer: "Um caipira, sertanejo, matuto ou mulato que elege a direita cava a própria sepultura pensando que está em busca de ouro."A origem do centrão é evidente, a crítica à direita se percebe; o autor consciente ou inconscientemente deixa implícito sua tendência à esquerda?Contudo, considero um bom artigo e recomendo a leitura.


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